domingo, 1 de maio de 2011

Dia da Mãe

Joaquim PESSOA, in 125 POEMAS ‘, O POUCO É PARA ONTEM’, Litexa Editora
Ilustração de Duy Huy
ONDE ESTÁ A MÃE?

A Mãe está onde está a camisa púrpura

e onde a tempestade sacode a espuma dos gerânios.

Onde se apagou a lareira e esse fogo bom

na parede dos ossos. Está no musgo que cresce

nos velhos pinheiros de onde a noite pende.

A mãe está nas arestas do corpo onde

o toiro respira e se espreguiça a andorinha.

Onde a ansiedade apoquenta, onde resvala

o coração sujo de melancolia, negro,

negro como o motor de um corvo. Está

no Livro da Morfina, nos tocadores de viola

com grandes pés de anjo e nos operários construindo

paredes de lume em andaimes de cinza.

A Mãe está onde o moínho escondido

trabalha no peito com a roda do olhar.

Onde ainda arde a madeira verde das estrelas.

Onde o tiro parte e se agita o vento. A Mãe

está na noite que vaza as veias por uma ferida

no ventre. No parto dos pássaros. No som

dos ossos quando partem. A Mãe está nua

interrogando-se como um navegador sem sexo

onde o cão lambe o medo desses peixes azuis.

Na insatisfação e no martírio de uma água inteira.

Nas margens da minha cabeça. No aroma fixo

dos espelhos. A Mãe está na viagem das semanas.

No pólen e na rede. Na pedra parada. Na pedra que voa.

Está na paixão dos olhos. Nos bosques do sangue, nas

clareiras do sangue, na chuva em catedral.

A Mãe está no crime dos heróis. Nos joelhos

do rio. Na cama, na doce cama dos salgueiros.

Nos riachos do orvalho. No lume da cebola.

A Mãe está nos ombros de cada um dos meus instantes.

Onde a emoção se diz e se suspende. Onde

a noite e a língua se observam. Onde nascem

equilíbrios. Onde os crânios e as lâmpadas arriscam.

A Mãe está nos pulmões do meu abismo. Está

no lenço rasgado das roseiras. E na ira do frio.

No chicote das palavras. No silvo. No sítio

do poema. Onde tudo é brusco e arde. Aí,

nessa carne da dúvida, sem dúvida, está a Mãe.

Ilustração de Duy Huynh

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